Fonte: Zahar, 2009. |
David Salsburg é um estatístico e
farmacêutico industrial que atualmente trabalha como consultor em diversas
indústrias e é membro da American Statistics Association. Em seu livro “Uma
senhora toma chá...” ele narra a história da estatística, desde o final do
século XIX até o início deste século.
O livro não tem como objetivo ensinar
métodos estatísticos, tanto que não há nenhuma equação ao longo de todo o
texto. É, ao invés disso, uma narrativa bem agradável sobre homens e mulheres
que revolucionaram a ciência. O título do livro é uma referência à um episódio
em que segundo o autor, durante o chá em uma tarde de verão em Cambridge, uma
senhora assegurou que o gosto do chá sobre o qual derramava o leite era
diferente do sabor do leite sobre o qual se colocava o chá, ressaltando também
ser capaz de distinguir a diferença. A afirmação foi contestada pelos
presentes, exceto por um homem que propôs que se fizesse um teste para
verificar a validade da hipótese. Este homem era Ronald Aylmer Fisher, um dos
grandes gênios que viveram neste mundo e precursor da estatística experimental.
O episódio citado não chega a ser
tema recorrente neste livro. Na verdade, é mencionado logo no primeiro
capítulo, servindo como uma breve introdução do autor, e só é citado novamente
uma única vez em todo o texto. O autor descreve toda a revolução estatística
por meio da história de várias pessoas que contribuíram para o desenvolvimento
desta ciência. Essa narrativa começa com a história do incrível Karl Pearson e
sua revista Biometrika, em que eram
publicados todos os tipos de estudos. Pearson era um grande entusiasta da
estatística, e introduziu a idéia, hoje comum, de tudo deve ser pensado em
termos de distribuições. Todas as
coisas mensuráveis têm distribuições e não se deve pensar no valor exato dessa variável, mas sim na distribuição desses valores. Pearson, o pioneiro, era tão
entusiasmado com a estatística que em sua revista publicava dados referentes à
quase todas as coisas passíveis de medições, desde crânios de indivíduos de
alguma tribo da América Central até teores de alguma substância poluidora em
algum curso d’água. Depois de Pearson vieram Fisher e seu desenho experimental,
Willian Gosset e o “Erro provável da média”, Kolmogorov e os axiomas da
probabilidade e tantos outros acontecimentos marcantes.
O autor descreve a curiosa rivalidade
entre Pearson e Fisher, conta a história de outras figuras igualmente
importantes tais como Willian Gosset, Jerzy Neyman, Andrey Kolmogorov, etc. e
explica de maneira bastante simples conceitos como p-value e significância, conceitos estes bastante importantes mas
nem sempre compreendidos.
Entretanto a narrativa perde um pouco
o interesse quando trata de eventos mais recentes, tais como os pós Segunda
Guerra Mundial. Os tópicos passam a ser muito específicos ou complexos e mesmo
com o cuidado do autor em clarificar ao máximo tais assuntos, os mesmos acabam
não sendo tão interessantes. O livro, então, tem uma disparidade de qualidade
entre sua primeira e segunda metades. Não acredito que isto seja falta do
autor, ou uma característica exclusiva da estatística. As ciências, de modo
geral, tendem a se tornar muito complexas ou específicas com o seu
desenvolvimento. Na verdade, é bem provável que se tornem tanto complexas
quanto específicas. É o mal da ciência normal, e com a estatística não é
diferente. Assim como outros campos da ciência no início era cheia de inovações
gerais e suas bases, quando vistas agora que já está estabelecida, parecem um
tanto quanto obvias a ponto de pensarmos: “como ninguém descobriu isto antes”? Porém
seu desenvolvimento acarretou em teoria e aplicações um tanto quanto complexas
e de difícil entendimento que acaba por afastar o público comum.
Pessoalmente eu não gostei do
prefácio à edição brasileira. É uma mensagem um tanto quanto seca, onde o autor
cita alguns exemplos esporádicos de pesquisa estatística no Brasil e como isso
de alguma forma se relaciona com o que ele apresenta no seu livro. Soa como
“também existe pesquisa científica no Brasil, embora ninguém se importe”.
Poderia facilmente ser tido como uma ofensa por alguns.
O final do livro é fantástico porque
mostra como o autor, estatístico de renome e apaixonado pela profissão, está
ciente das limitações desta ciência. Ao citar Thomas Kuhn e seu épico “A
estrutura das revoluções científicas” mostra que tem consciência de que um dia
a estatística será vencida por um novo paradigma, assim como esta venceu o
determinismo em quase toda a ciência. O processo de evolução científica é
contínuo. A estatística foi a grande revolução do século XX, mas não reinará absoluta
eternamente. Alguma outra grande revolução acontecerá, cedo ou tarde. Mas a
importância que a estatística teve e ainda terá para a humanidade e os grandes
avanços que proporcionou não serão apagados.
Referências
SALSBURG, David. Uma senhora toma chá...: como a estatística revolucionou a ciência no século XX. Tradução José Maurício Gradel; revisão técnica Suzana Herculano-Houzel. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.