domingo, 24 de maio de 2015

Uma senhora toma chá...

Fonte: Zahar, 2009.


David Salsburg é um estatístico e farmacêutico industrial que atualmente trabalha como consultor em diversas indústrias e é membro da American Statistics Association. Em seu livro “Uma senhora toma chá...” ele narra a história da estatística, desde o final do século XIX até o início deste século. 
O livro não tem como objetivo ensinar métodos estatísticos, tanto que não há nenhuma equação ao longo de todo o texto. É, ao invés disso, uma narrativa bem agradável sobre homens e mulheres que revolucionaram a ciência. O título do livro é uma referência à um episódio em que segundo o autor, durante o chá em uma tarde de verão em Cambridge, uma senhora assegurou que o gosto do chá sobre o qual derramava o leite era diferente do sabor do leite sobre o qual se colocava o chá, ressaltando também ser capaz de distinguir a diferença. A afirmação foi contestada pelos presentes, exceto por um homem que propôs que se fizesse um teste para verificar a validade da hipótese. Este homem era Ronald Aylmer Fisher, um dos grandes gênios que viveram neste mundo e precursor da estatística experimental.
O episódio citado não chega a ser tema recorrente neste livro. Na verdade, é mencionado logo no primeiro capítulo, servindo como uma breve introdução do autor, e só é citado novamente uma única vez em todo o texto. O autor descreve toda a revolução estatística por meio da história de várias pessoas que contribuíram para o desenvolvimento desta ciência. Essa narrativa começa com a história do incrível Karl Pearson e sua revista Biometrika, em que eram publicados todos os tipos de estudos. Pearson era um grande entusiasta da estatística, e introduziu a idéia, hoje comum, de tudo deve ser pensado em termos de distribuições. Todas as coisas mensuráveis têm distribuições e não se deve pensar no valor exato dessa variável, mas sim na distribuição desses valores. Pearson, o pioneiro, era tão entusiasmado com a estatística que em sua revista publicava dados referentes à quase todas as coisas passíveis de medições, desde crânios de indivíduos de alguma tribo da América Central até teores de alguma substância poluidora em algum curso d’água. Depois de Pearson vieram Fisher e seu desenho experimental, Willian Gosset e o “Erro provável da média”, Kolmogorov e os axiomas da probabilidade e tantos outros acontecimentos marcantes.
O autor descreve a curiosa rivalidade entre Pearson e Fisher, conta a história de outras figuras igualmente importantes tais como Willian Gosset, Jerzy Neyman, Andrey Kolmogorov, etc. e explica de maneira bastante simples conceitos como p-value e significância, conceitos estes bastante importantes mas nem sempre compreendidos.
Entretanto a narrativa perde um pouco o interesse quando trata de eventos mais recentes, tais como os pós Segunda Guerra Mundial. Os tópicos passam a ser muito específicos ou complexos e mesmo com o cuidado do autor em clarificar ao máximo tais assuntos, os mesmos acabam não sendo tão interessantes. O livro, então, tem uma disparidade de qualidade entre sua primeira e segunda metades. Não acredito que isto seja falta do autor, ou uma característica exclusiva da estatística. As ciências, de modo geral, tendem a se tornar muito complexas ou específicas com o seu desenvolvimento. Na verdade, é bem provável que se tornem tanto complexas quanto específicas. É o mal da ciência normal, e com a estatística não é diferente. Assim como outros campos da ciência no início era cheia de inovações gerais e suas bases, quando vistas agora que já está estabelecida, parecem um tanto quanto obvias a ponto de pensarmos: “como ninguém descobriu isto antes”? Porém seu desenvolvimento acarretou em teoria e aplicações um tanto quanto complexas e de difícil entendimento que acaba por afastar o público comum.
Pessoalmente eu não gostei do prefácio à edição brasileira. É uma mensagem um tanto quanto seca, onde o autor cita alguns exemplos esporádicos de pesquisa estatística no Brasil e como isso de alguma forma se relaciona com o que ele apresenta no seu livro. Soa como “também existe pesquisa científica no Brasil, embora ninguém se importe”. Poderia facilmente ser tido como uma ofensa por alguns.
O final do livro é fantástico porque mostra como o autor, estatístico de renome e apaixonado pela profissão, está ciente das limitações desta ciência. Ao citar Thomas Kuhn e seu épico “A estrutura das revoluções científicas” mostra que tem consciência de que um dia a estatística será vencida por um novo paradigma, assim como esta venceu o determinismo em quase toda a ciência. O processo de evolução científica é contínuo. A estatística foi a grande revolução do século XX, mas não reinará absoluta eternamente. Alguma outra grande revolução acontecerá, cedo ou tarde. Mas a importância que a estatística teve e ainda terá para a humanidade e os grandes avanços que proporcionou não serão apagados.

 

Referências


SALSBURG, David. Uma senhora toma chá...: como a estatística revolucionou a ciência no século XX. Tradução José Maurício Gradel; revisão técnica Suzana Herculano-Houzel. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.